terça-feira, 23 de junho de 2020

"A INTENÇÃO DE FORMAR " Texto Autoral para nosso Blog.





Autora: Patrícia Ap. Bioto 

Breve currículo da autora: Pedagoga pela UNESP-Araraquara. Mestre em Fundamentos da Educação pela UFSCAR. Doutora em Educação pela PUCSP. Pós-doutoranda pela PUCSP. Professora no ensino superior desde 2000. Professora do Mestrado em Gestão e Práticas Educacionais da Universidade Nove de Julho e do curso de Pedagogia da instituição. Já foi professora e diretora de rede pública de ensino do estado de São Paulo. Pesquisa e publica sobre currículo, políticas educacionais e formação de professores. Autora de artigos científicos publicados em periódicos nacionais e internacionais. Autora de livros e capítulos de livros na área da educação. Organizadora de coletâneas de livros reconhecidos pelo MEC. Líder do Grupo de Pesquisa Formação de Professores: contextos, epistemologias e metodologias, certificado pelo CNPQ. Participante de grupos e redes de pesquisa nacionais e internacionais sobre política educacional e formação de professores.

A INTENÇÃO DE FORMAR 

Patricia Bioto


             Um dos pressupostos fundamentais da educação, segundo Hubert Hannoun (1998) é que a tarefa de educar se põe em movimento porque supõe-se positiva a imagem do homem a ser formado, ou seja, espera-se que resulte do processo educativo um homem que acesse, que construa para si um conhecimento, um estatuto, uma identidade, uma forma de agir no mundo que são melhores e superiores ao estado atual em que se encontra.
            Penso que todos nós, educadores, as vezes sem saber, partilhamos essa crença. Acreditamos que aquilo que estamos fazendo, onde quer que estejamos fazendo, em quaisquer condições, em qualquer contexto, resultará em algo positivo, melhor, que acrescentará algo ao nosso parceiro de processo educacional, aquele a que muitas vezes chamamos de aluno.
            E que outro sentido teria nossa prática docente senão o de acrescentar, o de formar, o de contribuir, o de oferecer possibilidades, o de participar do processo de formação de um cidadão consciente, crítico, responsável, e por que não, de um trabalhador, possibilidade que resta a nós todos que não somos os donos do capital. Cabe-nos também a tarefa de preparar para o mundo do trabalho. Também, não somente. Não podemos nos render a uma lógica mercadológica e reprodutivista nesta nossa atividade eminentemente criadora de humanidades.
            Cocriamos a humanidade no dia a dia de nosso fazer docente. A humanidade não é inata. Nos fazemos humanos em nossos contatos sociais, no exercício de apropriação da cultura, como já afirmaram Vigostski, Bernard Charlot e Kant, entre tantos outros. Mas cabe-nos, e devemos fazer isso ininterruptamente, nos questionar que humanidade queremos contribuir para formar?
            Apertadores de botão? Seres desprovidos de sua essência? Servos obedientes? Consumidores doentes? Aleijados, alijados, marginalizados? Homens maus que escolhem as trevas e não luz, aludindo às ideias da teoria critica quanto ao nazismo, em que a escolha foi pelas trevas. Ou escolheremos a luz, mesmo as custas de termos nossos fígados comidos diuturnamente por corvos na rocha Tarpéia após termos roubado o fogo dos deuses para criarmos a vida, após termos escolhidos a luz, a criação, a vida, o progresso?
            Muitas vezes, sem que nos apercebamos, ou mesmo que tenhamos percebido e estejamos ocupados demais, estressados demais, sem tempo e até com preguiça de pensar (como se esse direito fosse dado a quem se quer dizer educador?) compactuamos com discursos reprodutivistas e alienantes que querem dominar a arena educativa. Os alunos não são capazes, as famílias têm problemas, a escola não tem condições, os métodos não são adequados, faltam recursos, os objetivos são inalcançáveis e tantas outras críticas que repetimos há séculos. Críticas que um exame rápido dos grandes tratados pedagógicos da humanidade pode nos revelar como sempre presentes na história da educação. Leia a Didática Magna, de Comenius, a New Discovery, de Charles Hoole do século XVII e o Emílio de Rousseau do século XVIII e lá estarão essas mesmas pautas.
             E diante de tudo isso o que podemos fazer? A resposta é bem simples: continuar fazendo, buscando, acreditando, estudando, refletindo, exercendo nossas capacidades reflexiva e construtiva. Aproximemo-nos das contribuições de homens como nós que investigaram, que propuseram, que se arriscaram a ir além, que não tinha outra saída a não ser ir além. E assim exercemos a tão sonhada práxis, termo que condensa o que erroneamente e intencionalmente resultou da divisão da teoria e da prática. Como se houvesse alguma forma de ação humana, como a reflexão e a construção de ideias, que não fosse prática. E como se houvesse qualquer ação humana que não partisse de ideias.
            Partamos em busca de um processo educativo que provoque os alunos, que parta de seus problemas, de suas questões, de suas aporias (termo usado por Aristóteles para indicar a origem de todo e qualquer processo de investigação). Tragamos esses alunos para questionarem a si mesmos, as certezas, as verdades, os consensos, as ideias prontas. Iniciemos com eles a tarefa primeira da educação: o partir do nada, do que não existe, do que não está pronto, do que não sabemos, em direção a construção do que sabemos, do que acreditamos, do que nos edifica, de nossa positividade.
            Esse é o exercício básico da atividade científica: lançar-se em direção do desconhecido em busca de respostas desejadas e esperadas. Serão encontradas? Talvez sim, talvez não? Aprenderemos? Cresceremos? Contribuiremos? Sim, sim e sim. Caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar, parafraseando o poeta.
            Hoje, mais do que nunca, abre-se espaço nas escolas para iniciar os alunos, desde os mais pequenos, na atividade investigativa. O protagonismo infantil e juvenil estão presentes nas propostas mais atuais de uma educação progressista. O por o aluno a questionar, a investigar, a caminhar, por vezes sozinho, é uma importante contribuição para formarmos homens críticos, reflexivos, mais autônomos, livres, que ganham positivamente com o processo educativo.
            E por onde começar? Pelo começo. Ouvindo. Exercendo uma dialogicidade problematizadora, como desenvolvida por Freire (2010). Dando espaço para a voz dos alunos, como propôs Giroux (1998). E partindo do ouvir, estabelecer caminhos, planos, projetos. Tentativas. Objetivos.
            Assim se faz ciência. Assim se faz um mundo melhor. Assim se educa. Assim se contribui para formar positivamente a humanidade. Só assim seremos melhores e mais felizes.

Referencias
FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação. 14ª reimpressão. Rio de janeiro: paz e Terra. 2010.
GIROUX, Henri. Os professores como intelectuais. Porto Alegre. Artes Médicas, 1998.
HANNOUN, Hubert. Educação: certezas e apostas. Trad. Ivone Castilho Benedetti. Ed UNESP, 1998.

Um comentário:

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