Autora: Patrícia Ap. Bioto
Breve
currículo da autora: Pedagoga pela UNESP-Araraquara. Mestre em Fundamentos da
Educação pela UFSCAR. Doutora em Educação pela PUCSP. Pós-doutoranda pela
PUCSP. Professora no ensino superior desde 2000. Professora do Mestrado em
Gestão e Práticas Educacionais da Universidade Nove de Julho e do curso de
Pedagogia da instituição. Já foi professora e diretora de rede pública de
ensino do estado de São Paulo. Pesquisa e publica sobre currículo, políticas
educacionais e formação de professores. Autora de artigos científicos
publicados em periódicos nacionais e internacionais. Autora de livros e
capítulos de livros na área da educação. Organizadora de coletâneas de livros
reconhecidos pelo MEC. Líder do Grupo de Pesquisa Formação de Professores:
contextos, epistemologias e metodologias, certificado pelo CNPQ. Participante
de grupos e redes de pesquisa nacionais e internacionais sobre política
educacional e formação de professores.
A INTENÇÃO DE FORMAR
Patricia Bioto
Um dos pressupostos fundamentais da educação,
segundo Hubert Hannoun (1998) é que a tarefa de educar se põe em movimento
porque supõe-se positiva a imagem do homem a ser formado, ou seja, espera-se
que resulte do processo educativo um homem que acesse, que construa para si um
conhecimento, um estatuto, uma identidade, uma forma de agir no mundo que são
melhores e superiores ao estado atual em que se encontra.
Penso
que todos nós, educadores, as vezes sem saber, partilhamos essa crença.
Acreditamos que aquilo que estamos fazendo, onde quer que estejamos fazendo, em
quaisquer condições, em qualquer contexto, resultará em algo positivo, melhor,
que acrescentará algo ao nosso parceiro de processo educacional, aquele a que
muitas vezes chamamos de aluno.
E
que outro sentido teria nossa prática docente senão o de acrescentar, o de
formar, o de contribuir, o de oferecer possibilidades, o de participar do
processo de formação de um cidadão consciente, crítico, responsável, e por que
não, de um trabalhador, possibilidade que resta a nós todos que não somos os
donos do capital. Cabe-nos também a tarefa de preparar para o mundo do
trabalho. Também, não somente. Não podemos nos render a uma lógica
mercadológica e reprodutivista nesta nossa atividade eminentemente criadora de
humanidades.
Cocriamos
a humanidade no dia a dia de nosso fazer docente. A humanidade não é inata. Nos
fazemos humanos em nossos contatos sociais, no exercício de apropriação da
cultura, como já afirmaram Vigostski, Bernard Charlot e Kant, entre tantos
outros. Mas cabe-nos, e devemos fazer isso ininterruptamente, nos questionar
que humanidade queremos contribuir para formar?
Apertadores
de botão? Seres desprovidos de sua essência? Servos obedientes? Consumidores
doentes? Aleijados, alijados, marginalizados? Homens maus que escolhem as
trevas e não luz, aludindo às ideias da teoria critica quanto ao nazismo, em
que a escolha foi pelas trevas. Ou escolheremos a luz, mesmo as custas de
termos nossos fígados comidos diuturnamente por corvos na rocha Tarpéia após
termos roubado o fogo dos deuses para criarmos a vida, após termos escolhidos a
luz, a criação, a vida, o progresso?
Muitas
vezes, sem que nos apercebamos, ou mesmo que tenhamos percebido e estejamos
ocupados demais, estressados demais, sem tempo e até com preguiça de pensar
(como se esse direito fosse dado a quem se quer dizer educador?) compactuamos
com discursos reprodutivistas e alienantes que querem dominar a arena
educativa. Os alunos não são capazes, as famílias têm problemas, a escola não
tem condições, os métodos não são adequados, faltam recursos, os objetivos são
inalcançáveis e tantas outras críticas que repetimos há séculos. Críticas que
um exame rápido dos grandes tratados pedagógicos da humanidade pode nos revelar
como sempre presentes na história da educação. Leia a Didática Magna, de
Comenius, a New Discovery, de Charles Hoole do século XVII e o Emílio de
Rousseau do século XVIII e lá estarão essas mesmas pautas.
E diante de tudo isso o que podemos fazer? A
resposta é bem simples: continuar fazendo, buscando, acreditando, estudando,
refletindo, exercendo nossas capacidades reflexiva e construtiva.
Aproximemo-nos das contribuições de homens como nós que investigaram, que
propuseram, que se arriscaram a ir além, que não tinha outra saída a não ser ir
além. E assim exercemos a tão sonhada práxis, termo que condensa o que
erroneamente e intencionalmente resultou da divisão da teoria e da prática.
Como se houvesse alguma forma de ação humana, como a reflexão e a construção de
ideias, que não fosse prática. E como se houvesse qualquer ação humana que não
partisse de ideias.
Partamos
em busca de um processo educativo que provoque os alunos, que parta de seus
problemas, de suas questões, de suas aporias (termo usado por Aristóteles para
indicar a origem de todo e qualquer processo de investigação). Tragamos esses
alunos para questionarem a si mesmos, as certezas, as verdades, os consensos,
as ideias prontas. Iniciemos com eles a tarefa primeira da educação: o partir
do nada, do que não existe, do que não está pronto, do que não sabemos, em
direção a construção do que sabemos, do que acreditamos, do que nos edifica, de
nossa positividade.
Esse
é o exercício básico da atividade científica: lançar-se em direção do
desconhecido em busca de respostas desejadas e esperadas. Serão encontradas?
Talvez sim, talvez não? Aprenderemos? Cresceremos? Contribuiremos? Sim, sim e
sim. Caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar, parafraseando o
poeta.
Hoje,
mais do que nunca, abre-se espaço nas escolas para iniciar os alunos, desde os
mais pequenos, na atividade investigativa. O protagonismo infantil e juvenil
estão presentes nas propostas mais atuais de uma educação progressista. O por o
aluno a questionar, a investigar, a caminhar, por vezes sozinho, é uma
importante contribuição para formarmos homens críticos, reflexivos, mais
autônomos, livres, que ganham positivamente com o processo educativo.
E
por onde começar? Pelo começo. Ouvindo. Exercendo uma dialogicidade
problematizadora, como desenvolvida por Freire (2010). Dando espaço para a voz
dos alunos, como propôs Giroux (1998). E partindo do ouvir, estabelecer
caminhos, planos, projetos. Tentativas. Objetivos.
Assim
se faz ciência. Assim se faz um mundo melhor. Assim se educa. Assim se
contribui para formar positivamente a humanidade. Só assim seremos melhores e
mais felizes.
Referencias
FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação. 14ª
reimpressão. Rio de janeiro: paz e Terra. 2010.
GIROUX, Henri. Os professores como
intelectuais. Porto Alegre. Artes Médicas, 1998.
HANNOUN, Hubert. Educação: certezas e apostas.
Trad. Ivone Castilho Benedetti. Ed UNESP, 1998.
Obrigada Patrícia!
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