Contribuição Professora: Rubia Leriam
Momento para reflexão: Você presta mesmo atenção quando as pessoas falam
com você?
Vó caiu na piscina
Noite
na casa da serra, a luz apagou. Entra o garoto:
--
Pai, vó caiu na piscina.
--
Tudo bem, filho.
O
garoto insiste:
--
Escutou o que eu falei, pai?
--
Escutei, e daí? Tudo bem.
--
Cê não vai lá?
--
Não estou com vontade de cair na piscina.
--
Mas ela tá lá...
--
Eu sei, você já me contou. Agora deixe seu pai fumar um cigarrinho descansado.
--
Tá escuro, pai.
--
Assim até é melhor. Eu gosto de fumar no escuro. Daqui a pouco a luz
volta. Se não voltar, dá no mesmo. Pede à sua mãe pra acender a vela
na sala. Eu fico aqui mesmo, sossegado.
--
Pai...
--
Meu filho, vá dormir. É melhor você deitar logo. Amanhã cedinho a gente volta
pro Rio, e você custa muito a acordar. Não quero atrasar a descida por sua
causa.
--
Vó ta com uma vela.
--
Pois então? Tudo bem. Depois ela acende.
--
Já tá acesa.
--
Se está acesa, não tem problema. Quando ela sair da piscina, ela pega a vela e
volta direitinho pra casa. Não vai errar o caminho, a distância é pequena, e
você sabe muito bem que sua avó não precisa de guia.
--
Por que cê não acredita no que eu digo?
--
Como não acredito? Acredito sim.
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Cê não tá acreditando.
--
Você falou que a sua avó caiu na piscina, eu acreditei e disse: tudo bem. Que é
que você queria que eu dissesse?
--
Não, pai, cê não acreditou ni mim.
--
Ah, você está me enchendo. Vamos acabar com isso. Eu acreditei, viu? Estou te
dizendo que acreditei. Quantas vezes você quer que eu diga isso? Ou você acha
que estou dizendo que acreditei, mas estou mentindo? Fique sabendo que seu pai
não gosta de mentir.
--
Não te chamei de mentiroso.
--
Não chamou, mas está duvidando de mim. Bem, não vamos discutir por
causa de uma bobagem. Sua avó caiu na piscina, e daí? É um direito dela. Não
tem nada de extraordinário cair na piscina. Eu só não caio porque estou meio
resfriado.
--
Ô, pai, cê é de morte!
O
garoto sai, desolado. Aquele velho não compreende mesmo nada. Daí a pouco chega
a mãe:
--
Eduardo, você sabe que dona Marieta caiu na piscina?
--
Até você, Fátima? Não chega o Nelsinho vir com essa ladainha?
--
Eduardo, está escuro que nem breu, sua mãe tropeçou, escorregou e foi parar
dentro da piscina, ouviu? Está com a vela acesa na mão, pedindo que
tirem ela de lá, Eduardo! Não pode sair sozinha, está com a roupa encharcada,
pesando muito, e, se você não for depressa, ela vai ter uma coisa!
Ela morre, Eduardo!
--
Como? Por que aquele diabo não me disse isto? Ele falou apenas que ela tinha
caído na piscina, não explicou que ela tinha tropeçado, escorregado e caído!
Saiu
correndo, nem esperou a vela, tropeçou, quase que ia parar também dentro
d´água:
--
Mamãe, me desculpe! O menino não me disse nada direito. Falou só que a senhora
caiu na piscina. Eu pensei que a senhora estava se banhando.
--
Está bem, Eduardo – disse dona Marieta, safando-se da água pela mão do filho, e
sempre empunhando a vela que conseguira manter acesa. – Mas de outra vez você
vai prestar mais atenção no sentido dos verbos, ouviu? Nelsinho falou direito,
você é que teve um acesso de burrice, meu filho!
(Carlos
Drummond de Andrade)
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