Contribuição Professora "Adriana Batista"
Juliano Martinz
O hábito lhe perseguia tal qual um
vício: fazia biquinho em todas as fotos. Quase uma sina. Bastava um convite
para uma foto, ajeitava a roupa, uma pose cuidadosamente elaborada e… o
biquinho se formava na boca disforme, antes do flash espocar seu rosto. Não
sabia tirar fotos de outra forma. Sozinha em frente ao espelho ou em uma festa
com amigos – se não fazia bico, a foto ficava crua. Faltava algo: brilho,
intensidade, verossimilhança. Preferia que lhe cortassem metade da cabeça pelo
péssimo enquadramento, mas o bico não podia faltar. Seu ego não merecia tanto
descaso. As amigas, no começo, zombavam. Diziam ser ridículo, e outros
degenerativos. Com o tempo, porém, começaram a sentir uma pontada de inveja.
Não demorou muito, e a pontada virou um soco no estômago de pura inveja ferina.
A velha história: a amiga sempre sai melhor nas fotos, por mais que o orgulho
intempestivo as obrigue a negar.
No final, estava armada a competição.
Quando saiam juntas nas fotos, cada uma queria fazer um bico mais imponente.
Biquinhos suaves deram lugar a bicos disformes. Os transversos e mentonianos
contorcidos e retorcidos em caretas assustadoras. Seriam facilmente aprovadas
como figurante em qualquer uma das sequências de Star Wars, mas ainda
acreditavam ser os exemplares mais transparentes da sedução feminina.
A competição foi se tornando cada vez
mais acirrada. Quem fazia o maior bico, ganhava mais comentários e elogios nas
fotos nas redes sociais. A amizade se desvaneceu ante a disputa de quem tinha o
bico mais bicudo entre as bicudas.
Certo dia, na balada, na foto com as
“amigas”, ela esticou o biquinho o máximo que pode. Os lábios disformes se
estenderam centímetros a frente do nariz. O músculo orbicular retesado, o
risório deformado, zigomáticos e depressores rasgando-se num esforço
descomunal. Enquanto em pose, antes do click, percebeu seu bico anormalmente
saltado, e sentiu-se satisfeita por se conscientizar de que nenhuma das amigas
jamais conseguiria algo parecido. Ia ganhar todos os elogios ao postar a foto
nas redes. Seu bico curtido e compartilhado, o alvo dos holofotes.
Mas, não houve tempo para muita
comemoração. Após o instante do flash, para seu desespero, o bico não voltou ao
lugar. Travado. Represado. A careta não se desfez. Os músculos tesos, tensidade
absurda. E a boca, enfim, condenada ao bico eterno.
Hoje em dia, por onde passa, é alvo
de olhares comiserados, acompanhados por declarações como: “pobre menina!”.
Menos as
amigas que até hoje, quando se encontram, ainda sentem aquela inegável pontada
de inveja.
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